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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Febre

Anton Krupicka (fotoretirada da net)


Acho que ando com febre. Aliás, de certeza que ando com febre. Só isto pode explicar o delirio que habita nesta minha cabeça.

Às vezes esqueço-me que sou ainda uma criança, um bebé, quase.
Esqueço-me que ainda não sei nada de nada e que é preciso tempo para aprender o pouco que irei conseguir aprender durante a minha vida. Mais, olho para os Outros - aqueles que já cá andam há mais tempo; aqueles que, para além de andarem, já sabem correr - e vejo-os a ponderar, em alguns casos, se não terão dado um passo maior que a perna, embora se tenham saído vitoriosos.

E eu quero ser como eles. Quero chegar onde eles chegaram. Quero percorrer o que eles já percorreram. Quero fazer partes das epopeias. Quero andar com um passo dorido por ter andado demais. Quero sentir o sabor da superação, a mesma superação que os Outros libertam pelas lágrimas e pelo suor. Sim, quero libertar superação por todos os meus poros!

Mas esqueço-me que só cá ando há seis meses, que na vida tudo leva o seu tempo e que apressar as coisas pode resultar em dar passos atrás. Esqueço-me que os Outros já não são crianças, são Homens. Lutaram ávidamente - muito mais do que eu - para tirarem as mãos do chão e deixarem de gatinhar. Que, depois, lutaram ainda mais para andar. E que deram tudo o que tinham para conseguirem correr. E, hoje, Homens feitos, ponderam muito bem antes de iniciarem uma corrida.

Tenho ainda fresco na memória o momento em que tirei as mãos do chão pela primeira e única vez, naquele dia de Março. Mas isto não quer dizer que me vá levantar. Não. Posso muito bem cair e tardar a levantar de novo. Resta-me ser paciente e persistente na resistência à tentação. Porque ela anda à espreita. Tal como uma criança que começa a explorar o mundo, vendo uma aventura nova para onde quer que olhe - querendo lá ir mesmo que seja demais para ela -, também eu as vejo. Vejo Serras enormes, a atravessarem as nuvens. Vejo Arribas perigosas, a escarpirem até ao fundo do mar. Vejo planicies encantadas, que se estendem até ao horizonte. Vejo tudo isto a chamar por mim. E, tal como uma criança gulosa, quero tudo de uma só vez. Quero engolir o Mundo todo com uma dentada. Quero partir de uma para outra sem sequer as saborear. E elas, as tentações, olham para mim com um sorriso aberto. Querem que eu lá vá. Querem que eu lá vá para me ensinarem a ser humilde.

Mas eu resisto. Viro a cara para o lado e olho para caminhos mais curtos, mais baixos, menos sinuosos. Caminhos que me vão ensinar a tirar as mãos do chão, que me vão ensinar a andar e, por fim, ensinar a correr. Chegará o dia em que todo eu libertarei superação, que andarei ao lado dos que já se superaram, que poderei contar as minhas epopeias àqueles que, por já as terem vivido, as entenderão melhor do que alguém. Melhor do que eu, até.

Mas terei que lhes resistir.
Ando com febre.
Com a febre dos Ultras.

Rob Krar (foto retirada da net)

8 comentários:

  1. Acho esse sentimento febril normal. Acho que todos nós, de vez em quando, também sofremos desse mal.
    Mas, na minha opinião, há que respeitar o corpo e percebê-lo. Dá tempo, caso precises, caso o teu corpo te peça mais tempo.

    Treina e evolui. Esse é o melhor caminho a seguir. Creio que aquele que, pelo menos, te levará mais longe!

    Beijinhos

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    1. Não é o corpo que está a pedir mais tempo, pelo contrário, o corpo quer é movimento e andar feito cabra montanhesa. Tenho é de me conter por outros motivos. Há que regrar tudo e não negligenciar coisas ou pessoas com a obsessão da corrida.

      Como dizes, tenho tempo. Mais vale treinar e evoluir, ir a uma ou outra prova e fazê-las bem, do que ir a todas e não fazer nenhuma bem.

      Beijinho

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  2. Como eu te percebo!!!
    Ainda pequenino, bebé como tu dizes, mas já não paro de olhar para os calendários de provas, a escolher quais serão os próximos desafios, a sonhar com desafios ainda maiores, a suspirar para que a hora do treino chegue rápido, o dia da próxima prova...

    Abraço
    Paulo

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    1. Sempre que vejo um cartaz, começo logo a fazer contas à vida e à minha disponibilidade, a ver se consigo ir. Depois, vem a voz da razão que me diz para estar mas é quieto. :)

      Abraço

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  3. é aquela coisa que olho e penso: patamar muito alto... vou-me ficar pelas pequenas distanicas

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    1. No inicio todos olhamos e pensamos isso. Com o tempo vamos subindo as escadas e no patamar. A questão é que haverá sempre outro patamar para alcançarmos: :)

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  4. Acho que é uma virose que anda por aí... ;)

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