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quinta-feira, 2 de abril de 2015

O dia em que me tornei Ultra-maratonista - Até aos 100m finais do III INATEL Piodão Ultra Trail

Estou a meio da prova, passaram 4h45m e, apesar dos empenos que já tinha sentido, tinha mais vontade de acabar que antes!

Entretanto, enquanto, finalmente, consigo encher a mochila com água, a Menina foge a sete pés. Disse-me que não esperava tanto calor, mas eu vi-a a ir embora toda fresquinha. Deste posto de abastecimento até ao que estava por volta do km32, foi sempre a abrir no meu ritmo super-sónico de 10 ou 11minutos por km. Não que o terreno fosse de dificil progressão, apenas começava a sentir a falta de treino. Valeu-me as paisagens deslumbrantes. Há quem possa achar que olhar em volta e só ver serra não é nada fascinante, mas há algo que me tranquiliza quando vejo a imensidão do que me rodeia e do pequenino que somos. Alguns atletas iam passando por mim e eu chegava-me para o lado para não os atrapalhar. Tinha tempo, muito tempo. O sol só começaria a desaparecer depois das 19h. O percurso ia alternando entre trilho bem técnicos e os estradões, invariavelmente, enfadonhos. Prefiro correr num trilho pouco técnico mas "claustrofóbico", a roçar com as pernas e braços nas ervas e árvores, a ir no meio de uma estrada de terra batida com 3metros de largura. Mas todos sabemos que este é um mal necessário para ligar secções da prova.

E lá cheguei ao abastecimento do km32. Já disse que o do km25 deixou muito a desejar. Mas este, meus amigos, este abastecimento faria inveja a muito casamento. Vejamos: sal, tomate, laranja, banana, bolachas, frutos secos, água, coca-cola, isotónico, cerveja, vinho, queijo da serra, bifanas e camarão! Tudo à grande e à francesa. Nesta fase já ia com bastante fome. Já tinha tomado um gel e uma barra. Sentei-me na companhia de alguns membros do CnC e uma voluntária perguntou-nos se queriamos uma bifana. Até serviço à mesa tinha! Dissemos que sim e o que me deram foi um paposseco com 2 febras enormes lá dentro. Descansei enquanto reabastecia as energia. Enquanto isso, iamos ouvindo a história que um senhor estava a contar sobre uma prova em França que não apanhei o nome. Dizia ele que a prova era curta mas que todos demoravam muito tempo. A dificuldade não estava no acumulado, mas sim nos imensos abastecimentos quase de 5 em 5 kms. Que ao km2 tinham logo um pequeno almoço com direito a tudo, que ao km 5 tinham café e bolos. Enfim, qualquer coisa completamente fora do normal. Mas eu não estava ali para ouvir histórias, estava ali para escrever a minha própria história. Portanto, levantei-me e fui embora. Não sem antes ouvir o tal senhor que agora é que o trail ia começar.

A bela da mesa do fantástico abastecimento.

Fechem os olhos. É melhor abrirem os olhos para poderem ler primeiro. Imaginem que estão a olhar para cima e que o que veem é uma subida tão ingreme que mais vos parece uma parede. Nessa parede, pintada de lilás, conseguem ver uma falha na pintura, que se estende da sua base até ao topo, não a direito, mas passando por onde o cimento (vegetação) é mais fraco. Ao longo dessa falha, veem pequenos pontos de várias cores. E vocês sabem que terão de passar por ali, pelos longos 800metros daquela falha. Quando a começam a subir, sabem que vai custar, que vai doer, que vão parar mais vezes que as que querem, que vão dar 3 passos para a frente e 1 para trás, que vão caminhar dobrados e apoiados nos joelhos, que os bastões (se os tiverem) vos vão massacrar os braços, que vão praguejar, que vão ofender os organizadores (aqueles desgraçados que se estão a rir a imaginar-nos a subir isto), que vão olhar para trás e pensar que isto era muito melhor a descer, que vão olhar para cima e pensar que os metros, os metros não, os kms nunca mais acabam. Vão devagar, muito devagar. Mas como na estória da tartaruga, devagar se vai ao longe. E não desistem. Continuam determinados a vencê-la. Até que, finalmente, pisam chão plano, olham para trás e têm vontade de subir tudo aquilo de novo! (Naaaah! Ofendem-na uma última vez antes de lhe vivarem costas!). Agora, depois de terem lido isto e verem a imagem abaixo, fechem os olhos e imaginem-se a passar por isto.

Foto de "The Photo Follower - Abel Simões", que espelha o que tentei descrever.

Estas paragens eram uma constante.

Quando terminámos esta atrocidade, no topo da serra conseguiamos ver Piodão, mas, até lá chegarmos, ainda nos faltavam 20kms e algumas subidas complicadas. A aprtir daqui entrámos numa zona mais rolantes, dentro daquilo que eram as capacidades de cada um. Foi nesta fase que tive um acréscimo de energia. Conseguia correr e sentia-me bem. As dores e o cansaço desapareceram e dei por mim a correr e a sorrir. Olhava para a serra verde e para as eólicas brancas, altas, enormes, que pintalgavam a planície. Dei por mim a pensar que há muita coisa boa no mundo, mas liberdade como está há muito pouca. Segui confiante e a bom ritmo até ao km38, onde encontrei um pequeno PAC, fazendo apenas uma curta paragem. Restavam pouco mais de 2kms, sempre a subir, até ao K40. Entretanto, nesta fase, partilhei a minha aventura com a Elisa e com o Luis, completos desconhecidos, mas unidos pelo que estavámos a fazer. Quando lá cheguei, levava pouco mais de 8horas de prova. Disseram-nos que a partir daqui seria sempre a descer até ao K47, mas que a descida se fazia devagar e que iamos apanhar o vento contra nós. Vesti o corta-vento, atestei-me de água e arranquei.

A placa que indicava a subida para o K40.

De facto, até ao último PAC ao K47 (que no meu relógio foi aos 49), foi sempre a descer ou plano, por estradão, mas, mais uma vez, serviu para recuperar algum tempo. Foi durante esta fase que tive um dos momentos mais emocionantes. Quando olhei para o relógio, tirei uma foto e a enviei à minha namorada com a mensagem "A partir daqui sou ultra-maratonista!".

A partir daqui: o desconhecido.

Confesso que me vieram as lágrimas aos olhos. Estava a conseguir. Para além de não pensar em desistir, sentia-me bem. A partir daqui, tudo era novo para mim. Nunca tinha corrido mais de 42.195m, muito menos em trilhos. Algo cresceu dentro de mim que me permitiu correr até nas subidas mais ligeiras. Percorri kms com o coração a mil, olhos embargados e eletricidade no corpo. Corri o mais rápido que consegui até avistar um pequeno aglomerado de casas, com um ribeiro a passar por baixo, deixando ouvir a sua melodia ao bater nas rochas, onde estava o último abastecimento. Comi uma sandes de queijo, banana com sal, água e isotónico. Estava quase. Faltavam 3kms. Seriam em subida constante, mas estava tão perto que já lhe conseguia sentir o cheiro (mesmo por cima do meu cheiro a suor!). Lancei-me à jornada final, uma vezes a caminhar rápido, outras a correr devagar. Começou a escurecer. Queria acabar a prova antes de ter de usar o frontal. Até que vi uma placa que me deu aquele alento que tanto precisava.

Cada vez mais perto.

Acelerei tanto quanto me foi possivel e quando vou a percorrer as ruelas de Piodão, um grupo de pessoas grita por mim, a desejar força e a dizer que estava quase, que só faltava mesmo a última súbida. Olhei para cima e vi as luzes da chegada, enquanto disse a rir que eles eram maus para nós. Entretanto, consegui ultrapassar 2 atletas. Começo a subir o caminho que tinha descido de manhã. Estava cada vez mais perto, os batimentos cardiacos a valores nunca antes sentidos.

Preparo-me para subir o último lance de escadas e ouço pessoas a baterem palmas e a gritarem por mim. Mas aquelas vozes não me eram estranhas. Olho de novo para cima e vejo toda a minha familia a sorrir para mim.

(ainda hoje sai a última parte! Lá para as 14horas..)

6 comentários:

  1. Quase na meta, falta a subida final :) Parabéns!! ;)

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    1. Espero pela prova em que o final não seja a subir! :D

      Obrigado!

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  2. E agora é isto....acabaste ou não???? ;)

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  3. Eh pah isto não se faz. Estás a ser mais cruel que as organizações das provas que colocam aquelas subidas bem duras e longas, ou a "subidinha" final :P

    Ás 14h volto aqui ao estabelecimento para ler o resto do teu ULTRA relato.

    Abraço

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