Bearded Runner on Instagram

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Entrevista a Filipe Torres - Quarenta e dois



Quem anda nisto das corridas e dos blogues, quase com toda a certeza que conhece o Filipe Torres, autor do blogue “Quarenta e Dois”, que também tem uma página de Facebook. E seguir o blogue do Filipe é uma verdadeira delícia, não só pelos belíssimos relatos das provas que escreve – que nos transportam para cada metro que percorreu -, mas também pelo humor que o caracteriza. Basta ler a sua aventura nos Abutres, para sentirmos as dificuldades e, a determinado momento, sentir a dor quando um dos bastões se parte; basta ler a sua epopeia pela Madeira, para ficarmos a conhecer a imensidão selvagem daqueles picos; basta ler que correr é um nojo para percebermos  que nos transformamos quando corremos. Depois, ao lermos os comentários nos seus posts, ficamos a saber que muita gente considera o Filipe uma verdadeira inspiração e um modelo a seguir. E é por aqui que vamos começar.

Bearded Runner (BR): Filipe, o que sentes quando as pessoas te dizem que és o que as inspira? E há alguém que te inspire?
Filipe Torres (FT): Eish! Acho que nunca me disseram isso! Não sou de todo “material de inspiração”. Sou um atleta medíocre, na melhor das hipóteses. Nunca fui propriamente sedentário e pesei no máximo 10kg a mais do que peso agora, por isso também não tenho uma história de vida digna de um telefilme. Penso que no máximo as pessoas leem os meus textos e pensam “bem, se este gajo consegue….”. Na verdade é isso que me inspira a mim também: pessoas normais, como eu, que fazem coisas aparentemente extraordinárias. 

BR: Todos conhecem os teus feitos no trail, mas, tal como muitos outros corredores, começaste na estrada. Quando é que fizeste da corrida algo mais sério, ou sempre foi uma coisa presente na tua vida? E quando deste o salto para o trail?
FT: Fiz a minha primeira prova em 2005 (meia maratona da 25 de Abril) e durante uns anos corria uma ou duas vezes por semana. O click deu-se depois de ler o livro “Maratona de Nova Iorque – Crónicas de um corredor acidental”, uns meses depoiscorri a minha primeira Maratona. Nos anos seguintes andei completamente obcecado pela Maratona e pelas sensações brutais que só aquela prova proporciona. Corri 6, incluindo 3 no estrangeiro. Sou um gajo muito metódico, e a ideia de que se fizesse bem o trabalho de casa depois recebia a recompensa na prova agradava-me muito. O trail apareceu em 2012 e ia completamente contra esta ideia de aparente controlo na Maratona. Havia demasiados fatores incontroláveis, muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Demorei algum tempo até perceber que tinha que mudar completamente o chip, mas quando a ficha caiu…..

BR: De todas as provas que já fizeste, haverá, certamente, aquele que te ficou marcada com maior intensidade. Qual foi a tua maior aventura? Foi também a prova que mais gostaste de fazer?
FT: É complicado responder a isso porque as mais recentes deixam sempre as recordações mais frescas, mas no trail é inevitável falar dos Abutres e do MIUT como as maiores aventuras. Não foram de todo provas perfeitas, mas foram sem dúvida as mais intensas e que mais me prazer deu terminar. Na estrada a história é diferente, dou valor a outros aspectos. Contínuo a considerar a Maratona de Sevilha como a corrida da minha vida! Não foi um tempo extraordinário, longe disso, mas fiquei com a sensação que o trabalho compensou por completo, e isso é excelente.

BR: Estiveste há pouco tempo a correr – brilhantemente -  o MIUT (Madeira Island Ultra Trail), uma prova que exige muito dos atletas durante os 115kms, bem como uma preparação bem cuidada. Como foi a tua preparação?
FT: Como já disse lá pelo blog sou um corredor auto medicado, com todos os problemas que isso acarreta. Depois de ler bastante e ter falado com muita gente decidi mudar completamente a abordagem que tinha da corrida: reduzi a quilometragem (média de 65km/semana) e aumentei muito o trabalho de reforço muscular. Não terá sido a preparação perfeita (ao contrário do que dizes não acho que tenha sido “brilhante” a minha participação), digamos que foi o suficiente para sobreviver e contar a história! Curiosamente, das maiores dificuldades que passei foram a nível mental. O tal aspecto que não se treina mas que contribui tanto para esta nossa paixão.

BR: Sabemos que para além de ultra-corredor, trabalhas, és marido e és pai de uma menina pequenina. Como consegues conciliar todas estas coisas e encaixar todas as peças do puzzle, para que nada fique para trás?
FT: Não é fácil, claro, mas todos nós que corremos temos que fazer a mesma ginástica. Não gosto de me queixar disso, muito menos fazer dessas limitações uma desculpa. Sou da opinião que havendo vontade há sempre maneira de contornar a aparente falta de tempo. Seja a correr de madrugada, depois de jantar, a seguir ao trabalho antes de ir para casa… Claro que pelo caminho há sempre coisas que temos que abdicar. Por exemplo, não me lembro da última vez que fiz uma jantarada com amigos à sexta feira, porque sábado de manhã há um longo para fazer! O pior é sentir que estamos a tirar tempo à família, mas nesse aspecto considero-me um privilegiado porque a minha apoia-me e acompanha-me para todo o lado. Tento sempre incluir um programa de fim de semana quando vou a uma prova, apesar de isso cada vez mais significar eu a correr durante quase um dia e elas sozinhas à minha espera em pontos do percurso ehehe

BR: Se tudo isto não fosse já suficiente para te entreteres, tu e outros membros da Associação 20km de Almeirim, criaram uma prova de trail. O que os levou a fazê-lo? Havia essa lacuna na região? E qual o conceito por detrás da prova?
FT: Almeirim fica no coração da Lezíria, a planície Ribatejana, o sítio mais improvável para fazer uma prova de trail. No entanto, neste sítio improvável há um grupo cada vez maior de atletas a praticarem trail, já para não falar da ligação muito vincada do atletismo à cidade (foram as Almeirim as primeiras corridas de estrada populares em Portugal). A juntar a esta paixão pelo trail e pelo atletismo todos nós somos Ribatejanos, e se há coisa que gostamos de fazer é receber bem os nossos amigos. Não se pode falar em lacuna, como sabes hoje em dia levanta-se uma pedra e saem de lá 3 trails. A ideia era admitir as nossas limitações e potenciar ao máximo as nossas qualidades.  Por exemplo, a nossa "Serra" (na verdade são uns montes eheh) não tem picos a 1000 metros ou paisagens de postal, por isso o que fizemos foi arregaçar as mangas e abrir trilhos onde fosse divertido correr. Era esse o conceito da nossa prova: passar uma manhã divertida onde NADA falhasse.

BR: Não nos podemos esquecer que vocês são amadores. Quais as principais dificuldades que sentiram?
FT: Sendo a primeira edição tivemos obviamente que construir do zero. Nós somos um grupo relativamente pequeno, cerca de 15 pessoas, e nenhum de nós tinha qualquer experiencia na organização de um evento deste género.  Foi muito desafiante porque é incrível o número de pontas que se têm que atar para que tudo resulte. Desde a quantidade de comida nos abastecimentos, o almoço que era parte do pacote, o percurso e marcações que eram ponto de honra, os banhos, a cronometragem, o pórtico… tanta coisa que quando vamos a uma prova tomamos como dado adquirido mas que não aparecem do nada. Foram muitas horas perdidas de treino, de tempo com a família ou simplesmente de descanso para que nada ficasse esquecido.

BR: Qual foi o feedback final que receberam dos participantes? É uma prova que voltarão a realizar?
FT: Foi verdadeiramente incrível. Numa altura em que há tantas provas, tanta base de comparação, receber os elogios que recebemos deixa-nos tremendamente orgulhosos. Tivemos algumas críticas construtivas que obviamente vamos considerar em futuras edições, mas principalmente recebemos sorrisos e elogios por uma manhã bem passada. Isto já responde à tua pergunta: sim, de certeza que vai haver segunda edição! Mas com uma condição, tem que lá estar aquele gajo da barba, sabes? eheh

BR: Como foi ver a prova do outro lado, do lado da organização? E como compararias a vossa prova com outras provas com mais edições?
FT: Não é tão divertido como parece. Mesmo com as coisas a correr bem andamos um dia inteiro sob um stress tremendo, com medo que uma das tais pontas não tenha sido convenientemente atada. Não é como nos filmes, que no fim está tudo aos abraços, foi um dia de muita pressão, muitas irritações e muito trabalho! Por exemplo, tivemos colegas que não chegaram a ver nenhum atleta equipado porque estiveram na cozinha o dia todo a lavar pratos! Chegámos ao fim de cara séria, exaustos e sem vontade de celebrar. Claro que chegados a casa, depois do banho tomado e sentados no sofá a coisa começa a ser real. Lembro-me perfeitamente de nessa altura ter enviado uma mensagem a um amigo meu a dizer "olha lá, impressão minha ou isto foi um sucesso?".

BR: Para finalizar, queres deixar algum conselho ou dica a quem quer dar os primeiros passos na corrida?
FT: Olhem para os dois lados da rua quando vão a passar a estrada e tentem meter sempre um pé à frente do outro. Ah, e divirtam-se! 


6 comentários:

  1. Muito bom....não conheço (ainda) pessoalmente o Filipe, mas é como se o conhecesse há montes de tempo. Sou um fiel seguidor das aventuras dele no 42 :)
    Abraço aos dois

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olha, tive o breve prazer de o cumprimentar numa corrida do TCC. E foi ele que me conheceu, claro.
      De resto, estou como tu, segui-lo no blog permite-nos "conhecê-lo" bastante bem. :)

      Abraço

      Eliminar
  2. Mas uma grande entrevista, com um excelente entrevistador e um excelente entrevistado!!! :)))
    Bravo!!!
    O Filipe é um grande valentão!!!

    Venha mais entrevistas como esta!! :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O Filipe é o maior! Para ser ainda maior, só se fosse do Sporting! :)

      Já estão mais umas vitimas na calha! ;)

      Eliminar
  3. Mais uma boa entrevista e com um entrevistado como o Filipe a coisa tinha de sair bem :)

    O Filipe é realmente uma das marcas da blogosfera de corrida cá do nosso cantinho da Europa!

    Um abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, Vitor.

      Mas ele acha que não é, que ninguém quer saber do que ele faz e escreve. Um tonto, portanto. Humilde, mas tonto. :)

      Abraço

      Eliminar