Quem anda nisto das corridas e dos blogues, quase com toda a certeza
que conhece o Filipe Torres, autor do blogue “Quarenta e Dois”, que também tem uma página de Facebook. E seguir o
blogue do Filipe é uma verdadeira delícia, não só pelos belíssimos relatos das
provas que escreve – que nos transportam para cada metro que percorreu -, mas
também pelo humor que o caracteriza. Basta ler a sua aventura nos Abutres, para sentirmos as dificuldades e, a
determinado momento, sentir a dor quando um dos bastões se parte; basta ler a
sua epopeia pela Madeira, para ficarmos a conhecer a imensidão
selvagem daqueles picos; basta ler que correr é um nojo para
percebermos que nos transformamos quando
corremos. Depois, ao lermos os comentários nos seus posts, ficamos a saber que
muita gente considera o Filipe uma verdadeira inspiração e um modelo a seguir.
E é por aqui que vamos começar.
Bearded Runner (BR): Filipe, o que sentes quando as pessoas te dizem que és o que as
inspira? E há alguém que te inspire?
Filipe Torres (FT): Eish! Acho que nunca me disseram isso! Não sou de todo “material de
inspiração”. Sou um atleta medíocre, na melhor das hipóteses. Nunca fui
propriamente sedentário e pesei no máximo 10kg a mais do que peso agora, por
isso também não tenho uma história de vida digna de um telefilme. Penso que no
máximo as pessoas leem os meus textos e pensam “bem, se este gajo consegue….”.
Na verdade é isso que me inspira a mim também: pessoas normais, como eu, que
fazem coisas aparentemente extraordinárias.
BR: Todos conhecem os teus feitos no trail, mas, tal como muitos
outros corredores, começaste na estrada. Quando é que fizeste da corrida algo
mais sério, ou sempre foi uma coisa presente na tua vida? E quando deste o
salto para o trail?
FT: Fiz a minha primeira prova em 2005 (meia maratona da 25 de Abril) e
durante uns anos corria uma ou duas vezes por semana. O click deu-se depois de
ler o livro “Maratona de Nova Iorque – Crónicas de um corredor acidental”, uns
meses depoiscorri a minha primeira Maratona. Nos anos seguintes andei
completamente obcecado pela Maratona e pelas sensações brutais que só aquela
prova proporciona. Corri 6, incluindo 3 no estrangeiro. Sou um gajo muito
metódico, e a ideia de que se fizesse bem o trabalho de casa depois recebia a
recompensa na prova agradava-me muito. O trail apareceu em 2012 e ia
completamente contra esta ideia de aparente controlo na Maratona. Havia
demasiados fatores incontroláveis, muita coisa a acontecer ao mesmo tempo.
Demorei algum tempo até perceber que tinha que mudar completamente o chip, mas
quando a ficha caiu…..
BR: De todas as provas que já fizeste, haverá, certamente, aquele que
te ficou marcada com maior intensidade. Qual foi a tua maior aventura? Foi
também a prova que mais gostaste de fazer?
FT: É complicado responder a isso porque as mais recentes deixam sempre as
recordações mais frescas, mas no trail é inevitável falar dos Abutres e do MIUT
como as maiores aventuras. Não foram de todo provas perfeitas, mas foram sem
dúvida as mais intensas e que mais me prazer deu terminar. Na estrada a
história é diferente, dou valor a outros aspectos. Contínuo a considerar a
Maratona de Sevilha como a corrida da minha vida! Não foi um tempo
extraordinário, longe disso, mas fiquei com a sensação que o trabalho compensou
por completo, e isso é excelente.
BR: Estiveste há pouco tempo a correr – brilhantemente - o MIUT (Madeira Island Ultra Trail), uma
prova que exige muito dos atletas durante os 115kms, bem como uma preparação
bem cuidada. Como foi a tua preparação?
FT: Como já disse lá pelo blog sou um corredor auto medicado, com todos os
problemas que isso acarreta. Depois de ler bastante e ter falado com muita
gente decidi mudar completamente a abordagem que tinha da corrida: reduzi a
quilometragem (média de 65km/semana) e aumentei muito o trabalho de reforço
muscular. Não terá sido a preparação perfeita (ao contrário do que dizes não
acho que tenha sido “brilhante” a minha participação), digamos que foi o
suficiente para sobreviver e contar a história! Curiosamente, das maiores
dificuldades que passei foram a nível mental. O tal aspecto que não se treina
mas que contribui tanto para esta nossa paixão.
BR: Sabemos que para além de ultra-corredor, trabalhas, és marido e és
pai de uma menina pequenina. Como consegues conciliar todas estas coisas e
encaixar todas as peças do puzzle, para que nada fique para trás?
FT: Não é fácil, claro, mas todos nós que corremos temos que fazer a mesma
ginástica. Não gosto de me queixar disso, muito menos fazer dessas limitações
uma desculpa. Sou da opinião que havendo vontade há sempre maneira de contornar
a aparente falta de tempo. Seja a correr de madrugada, depois de jantar, a
seguir ao trabalho antes de ir para casa… Claro que pelo caminho há sempre
coisas que temos que abdicar. Por exemplo, não me lembro da última vez que fiz
uma jantarada com amigos à sexta feira, porque sábado de manhã há um longo para
fazer! O pior é sentir que estamos a tirar tempo à família, mas nesse aspecto considero-me
um privilegiado porque a minha apoia-me e acompanha-me para todo o lado. Tento
sempre incluir um programa de fim de semana quando vou a uma prova, apesar de
isso cada vez mais significar eu a correr durante quase um dia e elas sozinhas
à minha espera em pontos do percurso ehehe
BR: Se tudo isto não fosse já suficiente para te entreteres, tu e
outros membros da Associação 20km de Almeirim, criaram uma prova de trail. O
que os levou a fazê-lo? Havia essa lacuna na região? E qual o conceito por detrás
da prova?
FT: Almeirim fica no coração da Lezíria, a planície Ribatejana, o sítio
mais improvável para fazer uma prova de trail. No entanto, neste sítio
improvável há um grupo cada vez maior de atletas a praticarem trail, já para
não falar da ligação muito vincada do atletismo à cidade (foram as Almeirim as
primeiras corridas de estrada populares em Portugal). A juntar a esta paixão
pelo trail e pelo atletismo todos nós somos Ribatejanos, e se há coisa que
gostamos de fazer é receber bem os nossos amigos. Não se pode falar em lacuna,
como sabes hoje em dia levanta-se uma pedra e saem de lá 3 trails. A ideia era
admitir as nossas limitações e potenciar ao máximo as nossas qualidades. Por exemplo, a nossa "Serra" (na
verdade são uns montes eheh) não tem picos a 1000 metros ou paisagens de
postal, por isso o que fizemos foi arregaçar as mangas e abrir trilhos onde
fosse divertido correr. Era esse o conceito da nossa prova: passar uma manhã
divertida onde NADA falhasse.
BR: Não nos podemos esquecer que vocês são amadores. Quais as
principais dificuldades que sentiram?
FT: Sendo a primeira edição tivemos obviamente que construir do zero. Nós
somos um grupo relativamente pequeno, cerca de 15 pessoas, e nenhum de nós
tinha qualquer experiencia na organização de um evento deste género. Foi muito desafiante porque é incrível o
número de pontas que se têm que atar para que tudo resulte. Desde a quantidade
de comida nos abastecimentos, o almoço que era parte do pacote, o percurso e
marcações que eram ponto de honra, os banhos, a cronometragem, o pórtico… tanta
coisa que quando vamos a uma prova tomamos como dado adquirido mas que não
aparecem do nada. Foram muitas horas perdidas de treino, de tempo com a família
ou simplesmente de descanso para que nada ficasse esquecido.
BR: Qual foi o feedback final que receberam dos participantes? É uma prova
que voltarão a realizar?
FT: Foi verdadeiramente incrível. Numa altura em que há tantas provas,
tanta base de comparação, receber os elogios que recebemos deixa-nos
tremendamente orgulhosos. Tivemos algumas críticas construtivas que obviamente
vamos considerar em futuras edições, mas principalmente recebemos sorrisos e
elogios por uma manhã bem passada. Isto já responde à tua pergunta: sim, de
certeza que vai haver segunda edição! Mas com uma condição, tem que lá estar
aquele gajo da barba, sabes? eheh
BR: Como foi ver a prova do outro lado, do lado da organização? E como
compararias a vossa prova com outras provas com mais edições?
FT: Não é tão divertido como parece. Mesmo com as coisas a correr bem
andamos um dia inteiro sob um stress tremendo, com medo que uma das tais pontas
não tenha sido convenientemente atada. Não é como nos filmes, que no fim está
tudo aos abraços, foi um dia de muita pressão, muitas irritações e muito
trabalho! Por exemplo, tivemos colegas que não chegaram a ver nenhum atleta
equipado porque estiveram na cozinha o dia todo a lavar pratos! Chegámos ao fim
de cara séria, exaustos e sem vontade de celebrar. Claro que chegados a casa,
depois do banho tomado e sentados no sofá a coisa começa a ser real. Lembro-me
perfeitamente de nessa altura ter enviado uma mensagem a um amigo meu a dizer
"olha lá, impressão minha ou isto foi um sucesso?".
BR: Para finalizar, queres deixar algum conselho ou dica a quem quer
dar os primeiros passos na corrida?
FT: Olhem para os dois lados da rua quando vão a passar a estrada e tentem
meter sempre um pé à frente do outro. Ah, e divirtam-se!
Muito bom....não conheço (ainda) pessoalmente o Filipe, mas é como se o conhecesse há montes de tempo. Sou um fiel seguidor das aventuras dele no 42 :)
ResponderEliminarAbraço aos dois
Olha, tive o breve prazer de o cumprimentar numa corrida do TCC. E foi ele que me conheceu, claro.
EliminarDe resto, estou como tu, segui-lo no blog permite-nos "conhecê-lo" bastante bem. :)
Abraço
Mas uma grande entrevista, com um excelente entrevistador e um excelente entrevistado!!! :)))
ResponderEliminarBravo!!!
O Filipe é um grande valentão!!!
Venha mais entrevistas como esta!! :)
O Filipe é o maior! Para ser ainda maior, só se fosse do Sporting! :)
EliminarJá estão mais umas vitimas na calha! ;)
Mais uma boa entrevista e com um entrevistado como o Filipe a coisa tinha de sair bem :)
ResponderEliminarO Filipe é realmente uma das marcas da blogosfera de corrida cá do nosso cantinho da Europa!
Um abraço
Obrigado, Vitor.
EliminarMas ele acha que não é, que ninguém quer saber do que ele faz e escreve. Um tonto, portanto. Humilde, mas tonto. :)
Abraço